02 maio 2014

Folhas - Parte 2





O olhar eriçado. Como um gato surpreendido. Pois antes que regressasse ao veranico, pousou desavisado ali numa lembrança furtiva de infância. Daquelas que se revelam como novidades, a pouco quase esquecidas naqueles cantos que não se remexe. O olhar bateu na folha seca, e a folha virou blue… 
Tinha agora ali frente a seus olhos o mesmo papel de carta azul das primeiras rimas, endereçadas a um aniversário. Mas queriam dizer mais que parabéns - ela sempre soube. E eram parabéns, entretanto, embora não dissessem em momento algum. Eram, para quem lesse, nada além de cavernas encantadas e dragões e rimas bobas e insignificâncias. Mas eram rimas com cheiro. Num papel azul amassado, que embrulhou também bichinhos de porcelana. E como a porcelana marcou o papel-de-carta, a carta fez uma marca no tempo. Foi o primeiro tempo, o da coragem de dizer, sem revelar. O de saber-se o que não foi dito. O da certeza absoluta sem nenhuma evidência além da crença pura. Ela sabia. E para a carta, bastava. 
As cartas nunca se preocuparam com a efemeridade do tempo…

(continua…)






— João Otero - 2-mai-2014 —